A crise provocada pelo Coronavírus fez com que as empresas adotassem diversas medidas necessárias para sobrevivência de sua atividade, dentre elas podemos citar a renegociação de contratos, a readequação de estrutura, equipe e formato.
Até porque se, por um lado, a receita é incerta, por outro, as obrigações e despesas continuam vencendo normalmente. Muitas vezes, o bom senso prevalece e a renegociação acontece.
Contudo, não raramente, uma das partes se nega a ceder, pretendendo manter o que foi contratado em tempos de normalidade nos seus exatos termos, independentemente do prejuízo excessivo que isso pode trazer para a outra parte se analisado diante das atuais circunstâncias.
Então, surge a pergunta: o contrato faz “lei entre as partes” ou existe alguma previsão criada para prestigiar o “princípio da igualdade”, protegendo um dos contratantes de algo imprevisível e manifestamente desproporcional?
A resposta é que sim, o contrato faz lei entre as partes. E também que sim, existe essa proteção, trata-se da chamada teoria da imprevisão.
É claro, se dirá que é muito interessante esse apanhado de teorias, princípios e entendimentos, mas, sem dúvidas, o grande interesse está em saber como tudo isso é aplicado pelo judiciário. Assim, trouxemos um apanhado de recentes julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O primeiro caso[1] envolveu um restaurante em shopping center. Os desembargadores reconheceram a imprevisibilidade do fato pandêmico e suas consequências. Reconheceram que a empresa foi impedida de exercer suas atividades, das quais dependia para arcar com suas despesas, dentre elas, o aluguel, de considerável valor.
O contrato foi celebrado em período de normalidade, o que autoriza a incidência do artigo 317 do Código Civil e, consequentemente, a excepcional intervenção do Judiciário para reequilíbrio da obrigação.
Por isso, foi mantida a sentença que observou que ambas as partes foram atingidas pelos efeitos da pandemia, estipulando que os prejuízos devem ser partilhados pelas partes, na proporção de 50% de redução dos valores dos aluguéis relativos ao período dos meses de abril, maio e junho de 2020. A multa contratual foi mantida, mas reduzida para 50% sobre o valor estipulado para rescisão antecipada.
O segundo caso[2] envolveu a locação de uma escola. Foi reconhecido que, por força da quarentena, ela ficou impedida de realizar suas atividades. Visto que o contrato foi pactuado em período de normalidade, a cobrança do locativo integral no atual contexto revelaria desequilíbrio contratual.
Assim, considerando a prova de perda crescente de alunos, foi mantida a sentença que determinou a redução do aluguel no percentual de 30% até a retomada dos serviços de ensino ou até a desocupação do imóvel. Todavia, não foi aceita a pretensão da escola de reduzir o aluguel em 50% pois não houve prova de queda em seu faturamento que justificasse isso.
O terceiro caso[3] envolveu a locação comercial em shopping center. A empresa locadora afirmou que a locatária somente teria se utilizado da pandemia como argumento para rescindir o contrato e que, na realidade, já amargava dificuldades financeiras anteriores. Contudo, o argumento foi afastado, pois não havia notícia no processo sobre atraso de pagamentos de aluguéis e encargos.
Deste modo, também foi aplicada a teoria da imprevisão, pois não seria razoável ao lojista ter que pagar contraprestação pela locação de bem que não podia usufruir. Por esse motivo, foi acolhido o pedido de rescisão contratual sem a imposição de multa.
No quarto caso[4], envolvendo grande empresa do ramo de varejo, exigiu-se que fosse comprovado que a pandemia, de fato, gerou desequilíbrio, tornando a prestação excessivamente onerosa. Foi analisado que houve a ampliação de negócios por e-commerce, onde a lojista possui significativa atuação. Então, apesar de não considerar que o contrato ficou excessivamente oneroso, foi imposta observação do dever de cooperação.
Por isso, foi fixada a redução em 20% dos locativos para quando o imóvel estiver de portas fechadas e de 10% em período de limitação de acesso ao público.
Todavia, em alguns outros casos, não foi aplicada da teoria da imprevisão. Em muitos deles a inadimplência era anterior à pandemia. Em outros, não foi demonstrado que o fato pandêmico causou impacto no faturamento.
Portanto, o ineditismo trazido pela pandemia, mormente quanto aos seus impactos econômicos, impõe que sejam prestigiados o bom senso, a cooperação e a boa fé dos contratantes, devendo eles renegociarem os contratos, adequando-os à atual conjuntura.
Contudo, sendo necessária a tutela judicial, deve se ter mente que não basta alegar genericamente que a crise lhe trouxe prejuízo e, sim, trazer uma efetiva comprovação de como ela impactou o seu orçamento, o que muito aumentará a probabilidade da procedência de eventual futura ação.
Do contrário, a tendência é que o Judiciário veja tais demandas como imprudentes e sejam prontamente julgadas improcedentes, para que, assim, se evite “aventuras jurídicas” nesse sentido.
RICARDO PEREIRA DE SOUZA
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil na Escola Superior do Direito (ESD). Sócio fundador do TPC.